Quando trouxeram as primeiras caixas, uma semana antes da mudança, meu coração cigano sorriu. Não me desesperei, não me estressei, mas curti embrulhar cada talher, cada CD, cada livro. O cheiro de papelão me colocou de novo de frente com o sentimento de excitação por estar a um passo do desconhecido, do início de uma nova vida.
A partir deste instante cada situação passa a fazer parte da despedida. Uma rua pela qual passo: será a última vez que passarei por aqui? O Pelmeni e Borsch que como, será que irei degustá-los de novo? Tento me livrar das últimas moedas de Rublo (Kopek) que não são aceitas em nenhuma casa de câmbio e me programo para ir até a Praça Vermelha – pela última vez? – antes de embarcar.
Não haverão grandes despedidas de amigos, porque não fiz nenhum aqui e também não sentirei saudades da Rússia, apesar da experiência ter me fortalecido de uma maneira colossal, emocionalmente e culturalmente falando.
Mas a despedida sempre será de fato uma despedida, independentemente dos sentimentos mais íntimos. As pessoas que dividiram nosso dia-a-dia continuarão com a sua rotina e provavelmente se esquecerão de nós em muito pouco tempo, mas nós também nos esqueceremos deles. O mais bizarro é que nada disso é negativo, sendo exatamente a mesma situação quando empacotamos: o que nos é valioso é tratado com cuidado e o resto vai para o lixo.
De volta no apartamento, comemos pizza com as mãos sentados no chão, utilizamos pratos e copos descartáveis e nos enxugamos com papéis de cozinha.
O cachorro percebe a agitação e se pergunta se terá que ir de novo para o hotel de animais, mas então o reconfortamos, dizendo que dessa vez ele também irá junto.
A criança não poderia se comportar melhor, também louca para iniciar a nova aventura. Supervisiona se seus brinquedos estão nas devidas caixas e se contenta com toda a bagunça.
O marido se ocupa em embrulhar seus preciosos fios, cabos e documentos mais importantes. Uma vez ou outra ainda responde a alguns telefonemas da firma, mas seus pensamentos já estão longe de lá.
Em breve olharemos para trás e teremos a impressão de que esses três anos na Rússia não se tratam de nada mais do que uma lembrança distante. Uma lembrança que contribuiu para o nosso crescimento pessoal, finalizando assim mais um capítulo de nossas vidas.
Sem olhar para trás, nos despedimos. Dasvidania, Maskva!
Luciana B. Veit
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