Há quem diga que nenhum povo do planeta seja tão caloroso quanto o brasileiro. Tendo já viajado muito e entrado em contato com diversos povos, só posso concordar com isso.
Mas então, uma vez ou outra, quando me sento no meu carro, me lembro da época em que precisava de três horas para chegar no meu trabalho, literalmente atravessando a cidade de São Paulo em transporte público.
Logo cedo aquela tensão, torcendo para encontrar um lugar vago (de preferência ao lado da janela) dentro do ônibus, porque simplesmente passar uma hora e meia brigando por um centímetro no chão para apoiar meu pé, e ficar sempre atenta para ninguém encostar demasiadamente em mim por trás, era um pesadelo.
Chegando no centro da cidade, o cheiro de churrasco grego às oito da manhã me vira o estômago, então espero meia hora na fila do ponto final do segundo ônibus com vontade de vomitar.
Aí de repente o pior acontece. Um trovão anuncia uma tempestade daquelas. “Cadê o bendito motorista?”, me pergunto ainda na fila, sentindo os primeiros pesados pingos de chuva caírem.
Assim que o motorista abre finalmente a porta frontal do ônibus, dessa vez quase atropelo uma garota para garantir o melhor assento. Só que o assento em si não garantiria o meu bem-estar até chegar no meu destino final.
Como de se esperar, o ônibus não demorou a lotar, e com a chuva forte, todos que entravam, fechavam seus guarda-chuvas, deixando-os pingar nos sapatos dos outros, e aqueles que já estavam acomodados, fechavam as janelas.
– Num dá para fechar a sua janela não? – perguntou um fulano de pé.
– Não dá, não. Olha o cheiro de mofo aqui! – eu respondi.
– Você num tá sozinha aqui – disse um outro rapaz – Fecha logo essa pôrra!
– É isso mesmo! – falou um terceiro, louco para iniciar uma rebelião.
Querendo evitar confusão e só chegar viva no trabalho, fui obrigada a ceder ao meu protesto. De ruim, o ar passou a ficar irrespirável. Uma mistura de umidade de ar com pele ensebada, desodorante Avanço (no melhor dos casos) e cabelo molhado não só da chuva, mas também daquelas sujeitas que decidem optar por esse estilo.
“Socorro!!!!”, pensei.
Faltando duas paradas para eu descer, lutei para passar entre os usuários, para passar pela catraca e para finalmente para aguardar pelo momento tão esperado, que era descer dali. O ônibus começou a frear, e nesses dois segundos que tive antes da porta se abrir, observei a cena mais uma vez: um ônibus lotado, a chuva lá fora e os usuários indiretamente se abraçando, compartilhando as dificuldades do dia-a-dia, para depois chegarem de volta em casa por volta das oito da noite, ainda terem tempo de assistir o Jornal Nacional e o próximo capítulo da novela do horário nobre.
Salvo um trombadinha ou outro, todos naquele ônibus pareceram estar de certa forma, felizes com a vida.
Dessa cumplicidade e desse calor humano típico brasileiro sinto falta hoje, mas não sinto falta do ônibus lotado de janelas fechadas com a chuva caindo do lado de fora.
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